Arte e resistência: por que a cultura é uma das armas mais poderosas contra a violência
Quando a arte cria caminhos onde o Estado não chega
Por Adriana Ramalho
A violência urbana não é apenas uma estatística; ela é uma ferida aberta que atravessa ruas, histórias e gerações inteiras. Quem vive e trabalha nas grandes cidades, sobretudo nas regiões mais vulneráveis, sabe que a violência não nasce de um dia para o outro. Ela é resultado de abandono, falta de perspectivas e ausência de pertencimento. E é justamente aí que entra aquilo que muitos ainda subestimam: a arte como ferramenta de transformação social.
Sempre acreditei que cultura não é entretenimento. Cultura é política pública. Cultura é proteção. Cultura é vida. Como ex-vereadora na cidade de São Paulo e madrinha do ESA – Espaço Social Amparo, acompanhei de perto o poder que o teatro tem de mudar trajetórias, resgatar autoestima e afastar jovens das dinâmicas da violência que tanto devastam nossas comunidades, assim como a música e o grafite também desempenham esse papel.
Em territórios marcados pela vulnerabilidade, falta de oportunidades e conflitos cotidianos, a arte se torna mais do que expressão: ela vira sobrevivência.
O teatro, por exemplo, revela conflitos internos e externos que muitos jovens não conseguem verbalizar. No ESA, utilizamos o psicodrama como instrumento de cura e elaboração emocional. Ali, meninos e meninas que antes viviam calados encontram uma linguagem para falar de si e do mundo.
A música organiza rotinas, disciplina mentes e abre portas para futuros possíveis. Muitos jovens chegam às oficinas sem perspectiva alguma, mas que, ao encontrar na percussão, no canto ou no rap uma identidade, mudam completamente sua relação com a escola, com a família e consigo mesmos.
E o grafite, tão frequentemente criminalizado, é um dos maiores símbolos de resistência urbana. Quando um jovem ocupa um muro com arte, ele afirma: “Eu existo. Eu pertenço”. Isso, por si só, já é um ato profundamente político.
Eu sempre defendi políticas públicas que coloquem a arte no centro da prevenção da violência. Durante meu mandato, propus projetos e articulei ações para ampliar o acesso à cultura nas escolas e comunidades. Sempre fui defensora de políticas que:
- levem teatro, dança, grafite e música ao ambiente escolar como parte da formação integral;
- fortaleçam iniciativas comunitárias que atendem jovens em situação de vulnerabilidade;
- criem editais permanentes para oficinas de arte urbana;
- articulem Cultura, Saúde e Educação em programas de prevenção;
- reconheçam e legitimem o grafite como arte, não como crime;
- ampliem espaços como os CEUs e programas como Fábricas de Cultura.
Essas ações não são utopia. Elas já existem — o PSE (Programa Saúde na Escola), o Cultura Viva e os Pontos de Cultura são exemplos reais de como o Estado pode e deve investir na arte como estratégia de proteção social. Mas ainda é pouco. Enquanto a violência se reinventa, nossas políticas públicas não podem continuar andando a passos lentos, e é preciso não só que elas sejam ampliadas, mas se espalhem por todo o país.
A arte é segurança pública, sim. Alguns ainda insistem em ver cultura como algo secundário. Discordo profundamente. Quando uma escola abre uma sala de teatro, ela também está reduzindo conflitos. Quando um bairro recebe uma oficina de grafite, ele diminui o sentimento de abandono. Quando uma comunidade forma seu grupo musical, ela cria laços e disciplina. A arte oferece o que a violência promete destruir: futuro, identidade, autoestima e pertencimento.
Podemos e devemos ir além e repensar a problemática, como criar Núcleos Municipais de Arte e Prevenção da Violência em escolas públicas, estabelecer parcerias contínuas entre o poder público e projetos como o ESA, investir em ações artísticas dentro da política de saúde mental infantojuvenil, inclusive nos CAPS e nas Unidades Básicas de Saúde e garantir que jovens tenham acesso à cultura não como privilégio, mas como direito fundamental. A violência não recua apenas com policiamento. Ela recua quando vidas ganham sentido.
Ao longo dos anos, testemunhei transformações que nenhuma estatística consegue traduzir: jovens reencontrando a esperança, famílias restabelecendo vínculos e comunidades reconstruindo sua própria narrativa. E é por isso que sigo defendendo, em qualquer espaço que ocupo, uma verdade que se prova diariamente nos palcos, nos muros e nas rodas de música da nossa cidade: a arte salva. Se queremos uma cidade menos violenta, precisamos colocar cultura no centro das prioridades — e não na periferia das decisões.
E eu seguirei ao lado de quem acredita nisso, fortalecendo projetos, dando voz a jovens que só precisam de uma oportunidade e lutando para que a arte continue sendo um dos pilares da resistência nas nossas comunidades. Porque onde há arte, há vida — e onde há vida, a violência perde força.
Adriana Ramalho é bacharel em direito, politica, ex-vereadora e ativista por políticas públicas de juventude, mulher e inclusão social.
Fonte: AL9 Comunicação

