AMUSIA – A incapacidade da percepção melódica
A Percepção é o processo que permite adquirir, interpretar, selecionar e organizar informações sensoriais e a percepção musical é a capacidade de perceber as ondas sonoras como parte de uma linguagem musical. Envolve a identificação dos atributos físicos do som, como volume, timbre e afinação (percepção sonora), mas também elementos musicais como melodia (percepção melódica) e ritmo (percepção ritmica).
A música está envolvida em grande número de funções mentais. Entre elas, memória, atenção, percepção, performance motora e emoção.
A percepção musical é, por vezes, usada como sinônimo de percepção sonora, desconsiderando assim a melodia, o ritmo e elementos de linguagem musical. Altos níveis de percepção musical são sinais de apurada capacidade de análise sonora, mas não garantem a musicalidade de alguém, visto que não tem relação direta com capacidades de produção sonora.
Cognição musical é estudo dos processos mentais subjacentes que ocorrem quando alguém se relaciona com a música, produzindo-a ou apenas ouvindo.
A música e a linguagem parecem transitar por diferentes circuitos cerebrais. Essa é a conclusão de vários estudos conduzidos com o objetivo de esclarecer como o cérebro humano processa as informações necessárias para criar e responder às sequências de sons.
A natureza dotou algumas pessoas de um ouvido musical invejável, capaz de repetir com perfeição todas as notas de uma melodia que mal acabaram de escutar, enquanto outras são incapazes de diferenciar um dó de um lá, um baixo de um barítono.
No entanto, há pessoas que são praticamente surdas aos sons musicais: são as portadoras de amusia, que é a incapacidade de captar os sons musicais, de lembrar-se de uma melodia, é uma falha no processo de compreensão musical que não necessariamente afeta a fala e a percepção de outros sons do ambiente
Essa falha pode ser adquirida após um acidente que afete o cérebro ou ser congênita.
A segunda é uma condição hereditária que chega a afetar 5% das crianças nascidas em determinadas populações, estima-se que cerca de 4% da população seja amúsica desde o nascimento (Kalmus & Fry, 1980), não estando relacionado com a falta de exposição a música, perda de audição ou déficits cognitivos. Já, a forma adquirida surge como consequência de traumatismos ou de derrames cerebrais.
Estudos conduzidos durante a década de 1990 demonstraram que muitos portadores de amusia não apresentam qualquer deficiência no campo da linguagem. Essas pessoas possuem audição, inteligência e memória normais, mas não possuem nenhuma percepção melódica. Para eles, uma melodia é bem parecida com qualquer outra, canções já ouvidas muitas vezes são irreconhecíveis sem a letra, e dissonâncias que faria qualquer um se retorcer, não causam nenhuma reação.
Estudos sobre o processamento musical mostram que para percebermos uma música utilizamos a organização melódica (ou distância tonal entre as notas musicais), e o ritmo da música ou, em termos técnicos, organização rítmica. Assim, amúsicos não necessariamente apresentam incapacidade de perceber essas duas características que compõem uma música (no caso, organização melódica e rítmica), podendo não perceber apenas uma delas.
Técnicas de ressonância magnética funcional tornaram possível demonstrar a existência de diferenças no padrão de ativação das áreas cerebrais entre aqueles dotados de ouvido absoluto e os eternamente desafinados.
Estudos da psicóloga Isabelle Peretz, da Universidade de Montreal, com a colaboração de Zatorre permitiu concluir que o cérebro dos portadores de amusia apresenta menor quantidade da substância branca localizada no giro frontal direito, área logo atrás do lado direito da fronte, do que os indivíduos considerados “normais” do ponto de vista musical.
Essa área frontal direita está envolvida justamente na percepção e na memória musical. Tais evidências deixaram claro que música e linguagem trafegam por diferentes circuitos, de fato, porque os centros que coordenam a linguagem estão situados do lado oposto, à esquerda do cérebro.
Mas o que causa a amusia congênita?
De acordo com Peretz, a melhor explicação é a de que o cérebro é equipado com um “módulo” especial de processamento melódico, o qual ocasionalmente não se desenvolve completamente. Isso poderia explicar porque a “amusia” afeta somente a percepção musical. Se esta informação for correta, a música, assim como a linguagem, é inata, implantada de forma profunda em nossos cérebros
Peretz e sua equipe estão à procura dos genes que fazem da amusia uma condição genética, na esperança de conseguirem novas ideias relacionadas ao desenvolvimento anormal do cérebro dos amusicais.
Estudos feitos por (Sihvonen, Ripollés, Leo, Rodríguez-fornells, Soinila & Särkämö, 2016), mostraram que a amusia adquirida foi associada a diferentes regiões cerebrais: lobo temporal, frontal, parietal e a área subcortical. Foi identificado também que em algumas pessoas com amusia partes do hemisfério direito do cérebro eram afetadas quando elas não conseguiam identificar tons e ritmos musicais.
Outra questão chave é saber se a amusia é uma anormalidade ou um conjunto delas.
Alguns amusicais gostam de ouvir música por apreciarem os ritmos, mas a metade dos amusicais também têm problemas na percepção rítmica, sugerindo que pode haver uma condição neurológica que acaba com a percepção rítmica, assim como faz com a melódica. Outro problema também detectado pelos estudos é a dos “ouvidores de ruído” – amusicais que percebem a música como se fosse batidas em panelas.
Apenas alguns amusicais ouvem somente barulhos, para a maioria, a música é somente algo confuso diz Peretz.
Se a amusia é uma anomalia ou um conjunto delas, a esperança é que seu estudo possa beneficiar àqueles desafortunados excluídos do profundo prazer da música.
A intervenção no problema pode permitir lidar com a plasticidade normal do cérebro e reparar alguns dos danos. Ainda não há cura ou tratamento para os portadores de amusia. A medicina oferece procedimentos terapêuticos, como a aplicação de técnicas de diferenciação de sons, mas os resultados não apresentam sucesso pleno, mas a ciência está firme na busca das soluções que vão trazer a beleza da música para o obscuro mundo dos amúsicos.
Referências
Science vol 315, 759 (2007)
New Scientist, vol.197, 2644 (2008)
Journal of Neuroscience, 36(34), 8872-8881 (2016)