MARATONA OSCAR: Pecadores

Por Ana Lopes

Pecadores (Sinners)  — EUA, 2005 — Direção: Ryan Coogler

Nota: 4,0/5,0

Filme de Ryan Coogler mistura horror e crítica social ao retratar o sul dos EUA nos anos 1930, com estética primorosa e narrativa ousada, entre o sangue e o blues, o terror fala sobre raça e redenção.

Em Pecadores, Ryan Coogler transforma o terror em espelho social. O diretor propõe um diálogo improvável entre o horror vampiresco e a questão racial no sul dos Estados Unidos dos anos 1930, criando uma obra que mistura o grotesco e o simbólico, o sangue e o blues, a violência e o sonho de liberdade.

A trama acompanha os irmãos Fumaça e Fuligem, vividos por Michael B. Jordan em dupla performance impressionante. Enriquecidos com contrabando de bebidas, eles decidem abrir um clube de blues para a população negra do Mississippi — um gesto de resistência cultural em tempos de segregação. Mas a inauguração do clube atrai forças sombrias: criaturas vampíricas e, talvez mais perigosos, membros da Ku Klux Klan.

Com direção de arte primorosa e fotografia elegante, Coogler recria com precisão o ambiente da década de 1930 e conduz a narrativa com um realismo que beira o documental, especialmente na primeira metade do longa. A direção de arte é impecável ao recriar a ambientação da época, das ruas empoeiradas ao interior esfumaçado dos bares, e a trilha sonora emoldura cada cena com intensidade e melancolia. A luz amarelada, o figurino detalhado e a música — sempre presente e poderosa — envolvem o espectador numa atmosfera que pulsa entre o encanto e o medo.

O primeiro ato é de construção lenta, quase hipnótica e  contemplativa  mergulhando o espectador no universo dos personagens e preparando o terreno para uma guinada brutal na segunda metade, quando o filme se transforma num espetáculo sangrento, sensual e caótico.

A escolha de ambientar um filme de vampiros nesse contexto histórico é, sem dúvida, um dos maiores acertos de Coogler. A presença da Ku Klux Klan poderia ser apenas pano de fundo, mas o diretor amplia o debate racial, mostrando como o mal pode assumir tanto formas humanas quanto sobrenaturais. O terror, aqui, é também político: o sangue derramado na tela ecoa as feridas abertas pela segregação.

Coogler aposta alto ao fundir gêneros, e consegue sustentar o peso de tantas camadas, mas a trilha sonora e a estética, por vezes, se sobrepõem ao suspense e à profundidade dramática. O resultado é um filme que sai do inquietante e simbólico e passa a algo mais performático do que profundo.

Ainda assim, Pecadores merece atenção pelo arrojo e pela originalidade. Ao inserir vampiros em meio às leis Jim Crow, Coogler transforma o mito em metáfora: o vampirismo como espelho da opressão, o sangue como herança e a música como resistência. O terror, aqui, é político — e a monstruosidade, humana.

O filme quebra padrões e propõe reflexão. É uma obra que prefere arriscar do que repetir fórmulas. Entre o grito e o acorde, Pecadores é cinema que sangra, canta e não se cala.