Novembro Azul: o desafio da procura tardia por tratamento e a urgência de políticas públicas contínuas
Por Adriana Ramalho
Novembro é o mês em que o país se veste de azul para lembrar a importância da prevenção e do cuidado com a saúde do homem. No entanto, por trás das campanhas e dos laços simbólicos, há uma realidade preocupante: a procura tardia por atendimento médico ainda é uma marca entre os brasileiros. Essa demora no diagnóstico tem reflexos diretos e graves na vida dos homens, nas famílias e nos sistemas público e privado de saúde.
De acordo com o Ministério da Saúde, os homens vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres. Em grande parte, isso se deve à resistência em buscar ajuda médica e à falta de políticas públicas estruturadas voltadas para esse público. Doenças como o câncer de próstata, hipertensão e diabetes poderiam ter maior controle e cura se diagnosticadas precocemente — mas muitas vezes são descobertas em estágios avançados, quando o tratamento é mais agressivo, caro e com menor chance de sucesso.
Cultura e barreiras de acesso
Diversos fatores explicam essa busca tardia. Ainda persiste uma visão cultural de que “homem forte não adoece”, uma masculinidade distorcida que associa a ida ao médico à fraqueza. Além disso, o modelo atual de atenção à saúde nem sempre considera as particularidades da rotina masculina. A maioria das unidades básicas funciona em horário comercial, o que dificulta o acesso de quem trabalha o dia inteiro.
Também é preciso reconhecer que campanhas de conscientização, embora fundamentais, não resolvem o problema sozinhas. Sem serviços acessíveis, equipe preparada e continuidade no cuidado, o Novembro Azul corre o risco de se tornar apenas um evento simbólico, sem impacto real na vida dos homens.
O peso do diagnóstico tardio
Quando o homem chega ao consultório, muitas vezes já apresenta doenças em estágio avançado. O resultado é um tratamento mais longo, mais caro e com maior sofrimento físico e emocional. Além disso, a perda da capacidade produtiva e o afastamento do trabalho afetam a economia e a estrutura familiar. A saúde do homem é, portanto, uma questão que ultrapassa o individual — é um tema de saúde pública e de desenvolvimento social.
Políticas públicas que fazem a diferença
Para mudar esse cenário, é preciso agir de forma permanente e estratégica. Algumas medidas são urgentes:
- Transformar campanhas em programas contínuos: O Novembro Azul deve ser o ponto de partida para ações durante todo o ano, com metas e recursos voltados à prevenção e ao diagnóstico precoce.
- Ampliar o acesso: Mutirões em empresas e comunidades, atendimento noturno e unidades móveis de saúde podem aproximar os serviços da população masculina.
- Capacitar as equipes de saúde: Profissionais preparados para dialogar com o homem de forma acolhedora, abordando temas como sexualidade, saúde mental e hábitos de risco, são fundamentais para criar vínculo e confiança.
- Investir em comunicação empática: É necessário romper estigmas e construir campanhas que mostrem o autocuidado como sinal de responsabilidade e força, não de fraqueza.
- Incluir o cuidado com a saúde mental: A depressão e a ansiedade também precisam ser tratadas como parte da saúde integral do homem, com acolhimento e acompanhamento psicológico desde a atenção básica.
- Garantir saúde no ambiente de trabalho: Parcerias com empresas para oferecer exames preventivos e folgas remuneradas para consultas podem aumentar significativamente o número de diagnósticos precoces.
A responsabilidade é coletiva
Não se trata apenas de um desafio médico, mas de um compromisso coletivo. O poder público deve garantir estrutura e acesso, mas a sociedade também precisa repensar comportamentos e discursos. A família tem papel importante nesse incentivo, e a comunicação deve ser aliada na desconstrução de estereótipos.
Como ex-vereadora e mulher pública, defendo que a saúde do homem seja tratada como prioridade de Estado, com políticas permanentes e bem financiadas. O cuidado não pode ser sazonal — precisa ser constante, planejado e avaliado.
O Novembro Azul deve servir como um chamado à ação: cuidar de si não é um ato de fraqueza, é um gesto de coragem. Prevenir é garantir mais tempo de vida, de convivência e de futuro. Que o azul do mês não se apague em dezembro, mas ilumine uma nova cultura de saúde e responsabilidade entre os homens brasileiros.
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Adriana Ramalho é ex-vereadora da cidade de São Paulo e atua em defesa das políticas públicas de saúde, educação e proteção social.
Fonte: AL9 Comunicação

