MARATONA OSCAR – Frankenstein

4,5 / 5,0

Frankenstein (Idem – EUA, 2025)
Direção: Guillermo del Toro

Guillermo Del Toro retorna ao território onde seu cinema floresce com mais força: o encontro entre o fantástico, o trágico e o profundamente humano. Em Frankenstein, o diretor resgata o mito literário para transformá-lo não em um conto de horror, mas em uma elegia sobre criação, abandono e a incapacidade humana de lidar com aquilo que produz — seja ciência, vida ou culpa.

Victor Frankenstein, vivido com intensidade contida por Oscar Isaac, surge como um gênio que confunde ambição com propósito. Sua ciência não é motivada por compaixão, mas por ego, por um desejo quase divino de provar que pode dar vida onde não deveria existir. Isaac constrói um Frankenstein mais frio do que louco, mais vaidoso do que visionário, um homem que fabrica a própria queda com a mesma precisão com que costura tendões no laboratório. Seu destino trágico nasce não do erro científico, mas da arrogância moral.

A Criatura, interpretada por Jacob Elordi, é quem carrega a alma do filme — e o peso simbólico que o diretor quer imprimir a cada quadro. Sob camadas de próteses, cicatrizes e rigidez corporal, Elordi encontra nuances que oscilam entre o espanto infantil e a dor profunda de existir. Sua interpretação é devastadora: a Criatura não apavora; comove. Ela se movimenta como quem busca lugar no mundo, e olha como quem entende, desde o nascimento, que esse lugar lhe será negado.

Del Toro revisita o romance de Mary Shelley como uma fábula teológica revestida de estética gótica. O monstro não é apenas um ser feito de retalhos — é um símbolo do humano rejeitado, do filho sem pai, do reflexo imperfeito que revela a perversidade da perfeição desejada. O cineasta intensifica essa leitura com imagens de forte conotação religiosa: a criatura erguida sob raios em uma pose que remete à crucificação; a cena em que lê a história de Adão e Eva; a construção visual que ecoa a criação rejeitada, o ser que nasce para sofrer porque o mundo não tolera o diferente.

Esteticamente, o filme é um triunfo. A fotografia sombria parece sempre à beira de uma tempestade moral; o design de produção é um comentário visual sobre decadência e deslumbramento; e as texturas — luz, pele, tecidos, ferrugem — funcionam como metáforas físicas de uma história que fala de fragilidade e descaso. Cada quadro tem a marca do diretor: o grotesco tratado com reverência, o feio observado com ternura, o belo recortado por sombras.

Mas o que realmente diferencia esta versão de Frankenstein é o roteiro. Em vez de repetir o caminho já consagrado pela literatura e por décadas de adaptações, Del Toro encontra brechas emocionais e filosóficas para criar novos diálogos, novos silêncios e novos ferimentos. A narrativa amplia os dilemas morais do clássico e aprofunda a relação entre criador e criatura sem recorrer a explicações fáceis ou vilanizações superficiais.

O resultado é um filme que sangra poesia. Uma obra sobre a responsabilidade de criar, sobre o horror de existir sem afeto e sobre a solidão que nasce quando alguém se coloca acima do mundo — ou quando o mundo expulsa alguém para fora de si.

Frankenstein, na visão de Del Toro, não é uma história de terror. É uma oração sombria sobre humanidade. Uma tragédia iluminada por breves lampejos de ternura — tão breves quanto uma vida que nunca pediu para existir.