Maratona Oscar 2026   –  Bugonia

Bugonia (Irlanda/Reino Unido/Canadá/Coreia do Sul/EUA, 2025)Direção: Yorgos Lanthimos

Nota 4.0 / 5,0

Paranoia, capitalismo e o nascimento do absurdo

O longa é uma refilmagem, com fortes liberdades criativas, do filme sul-coreano Save the Green Planet! (2003).

Bugonia, de Yorgos Lanthimos, transforma teorias da conspiração, negacionismo, ecologia, crise dos opioides e guerra de classes em um mosaico caótico e profundamente contemporâneo. A obra funciona como um espelho deformado do mundo atual, mas um espelho onde o grotesco é apenas um passo além da realidade.

A palavra grega “bugonia” remete à ideia de nascimento espontâneo especificamente o mito segundo o qual abelhas poderiam emergir da carcaça de um boi sacrificado. É uma imagem de decomposição e renascimento que sintetiza o espírito do filme: algo novo, estranho e inquietante surgindo do que está morto. Essa metáfora é incorporada de forma quase literal no protagonista Teddy (Jesse Plemons), um apicultor devastado pela diminuição das abelhas e que acredita que a causa da crise ecológica é Michelle (Emma Stone), bilionária CEO de um conglomerado farmacêutico.

Teddy e seu primo Don (Aidan Delbis), vivem à margem da sociedade norte-americana, representam a parcela da população, nos EUA ou em qualquer país, socialmente vulnerável e intelectualmente desamparada, presa em um ecossistema de fake news, fóruns conspiratórios e desinformação estruturada. Teddy, líder do duo, transforma a ingenuidade de Don em combustível para planos delirantes baseados em revistas de ufologia e pseudociência. Mas é justamente nesse prisma distorcido que Lanthimos encontra terreno fértil para um estudo sociopolítico de assustadora precisão: como sociedades altamente influenciáveis são capazes de cometer absurdos em nome de verdades distorcidas.

O plano dos primos é simples e insano: sequestrar Michelle e provar que ela não é humana, mas uma alienígena infiltrada para destruir o planeta. A relação entre sequestradores e refém oscila entre o grotesco e o cômico, enquanto Lanthimos nos tranca naquela casa e nos convida a participar do delírio coletivo. O espectador, assim como Don, passa a tropeçar entre duas possibilidades igualmente plausíveis dentro da lógica do filme: seriam aqueles homens apenas vítimas da extrema-direita conspiratória ou Michelle realmente esconde algo que ultrapassa a compreensão humana?

É nesse território de ambiguidade radical que Bugonia brilha. O cineasta manipula a fronteira entre razão e paranoia com a mesma habilidade com que coreografa seus filmes anteriores. Há momentos em que a mise-en-scène se aproxima de um balé teatral, com monólogos e interações milimetricamente cronometrados, como se tudo fosse simultaneamente absurdo e inevitável. A tensão cresce como um organismo vivo dentro da casa, palpável, desconfortável, mas sempre divertida na provocação do atrito iminente.

O filme também mergulha em temas sociais com uma acidez rara. A empresa de Michelle, por exemplo, não apenas contribuiu para a devastação ecológica que arruinou o trabalho de Teddy, mas foi responsável por ferir gravemente sua mãe, Sandy (Alicia Silverstone), com medicamentos experimentais para abstinência de opioides. Lanthimos não trata os primos como meros caricaturados conspiracionistas; ao explorar suas histórias e traumas, o diretor revela-os como peões descartáveis de um sistema que os engole. São vítimas e algozes, produtos e resíduos de uma engrenagem que transforma vidas em danos colaterais.

Bugonia poderia ser, em mãos menos ousadas, apenas uma alegoria sobre como o capitalismo corrói a humanidade para produzir consumidores. Mas Lanthimos se recusa à simplicidade. Ele brinca com gêneros opostos, flerta com a comédia absurda, com o terror paranoico e com a crítica social feroz, tudo isso sem abandonar o habitual mergulho no “vale da estranheza” que caracteriza sua filmografia.

Entre o riso e o desconforto, o filme constrói um retrato preciso da era da desinformação, em que qualquer narrativa pode ser sedutora o suficiente para substituir a realidade. Bugonia é crítico sem ser pedante, caótico sem perder o controle e trágico sem abrir mão do humor, e justamente por isso soa tão verdadeiro.

No fim, Yorgos Lanthimos entrega um dos filmes mais provocativos do ano: uma obra que expõe, com ironia e violência simbólica, a triste e inevitável ideia de que talvez a humanidade esteja mesmo implodindo e que o absurdo não é uma exceção, mas uma forma de existência.