Maratona Oscar 2026  – Uma Batalha Após a Outra

Uma Batalha Após a Outra: um retrato feroz da América em colapso

Nota: 4,0 / 5,0

Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another) – EUA, 2025
Direção:
 Paul Thomas Anderson

Uma Batalha Após a Outra nasce de uma fagulha literária improvável: Vineland, de Thomas Pynchon, uma obra densa, caótica e psicodélica que retrata os Estados Unidos da era Reagan como um terreno contaminado por televisão, drogas e pelos escombros de um movimento hippie derrotado. O filme, porém, não é uma adaptação fiel, é uma interpretação livre, um transplante radical do espírito paranoico e político de Pynchon para os campos de batalha do século 21: imigração, militarização da polícia, vigilância estatal, guerra às drogas e a corrosão contínua do pacto social.

O resultado é um filme que, desde seu primeiro ato, recusa a linearidade reconfortante. Ele não quer ser apenas uma narrativa de vingança ou resgate, e sim confundir, de propósito, a jornada emocional de seus personagens com o colapso político que os cerca. Essa decisão estética e narrativa é consciente, inquieta e, por vezes, brutal.

No centro da história está Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio), ex-integrante do grupo revolucionário French 75. No passado, ele atuou ao lado da brilhante e imprevisível Perfidia (Teyana Taylor) e de outros militantes perseguidos pelo icônico antagonista do filme: o coronel Steven J. Lockjaw, interpretado por um Sean Penn em estado de graça.

O filme apresenta o grupo em plena derrocada. Perfidia, com seu espírito incendiário, e Bob tentam construir uma vida à margem da clandestinidade quando nasce a filha, Willa (Chase Infiniti). É uma bomba-relógio emocional: o desejo de família se choca com o passado violento que os assombra. Perfidia não resiste à pressão interna e externa e desaparece, deixando Bob sozinho com a criança.

Pouco tempo depois, capturada por Lockjaw, Perfidia cede à tortura psicológica e delata os antigos companheiros um gesto trágico, que marca para sempre os destinos de todos.

16 anos se passam. Bob, sobrevivente quase fantasma de uma repressão sanguinária, vive com Willa numa pequena cidade chamada Baktan Cross, tentando reconstruir o que sobrou de si. Mas o passado, como o próprio filme insiste, nunca morre: Lockjaw ressurge, e a família é lançada mais uma vez em uma espiral de perseguição e paranoia.

DiCaprio encontra aqui um de seus personagens mais vulneráveis dos últimos anos. Bob é um homem quebrado, cansado, que tenta, sem saber como, ser pai e esconder de si mesmo a culpa que carrega. Já Sean Penn cria um vilão antológico: o coronel Lockjaw é o retrato perfeito do militarismo tóxico norte-americano — um homem branco de meia-idade que acredita piamente estar “restaurando a ordem”, mesmo que isso signifique destruir tudo ao seu redor. Seu olhar duro, sua voz controlada e sua caminhada pesada, quase manca, tornam cada aparição hipnotizante.

Chase Infiniti entrega uma personagem silenciosa, introspectiva, mas tomada pela herança emocional e política dos pais. Ela faz do trauma uma bússola e, ao mesmo tempo, uma corrente, representação viva da ideia de que nenhuma geração nasce livre do que a anterior deixou para trás.

Uma Batalha Após a Outra não permite que o espectador se acomode — e faz isso deliberadamente. Sua narrativa é uma ferramenta de provocação constante. A câmera, a montagem e os diálogos empurram, chacoalham e desafiam o público. O filme abraça temas espinhosos: o retorno do fascismo, o nacionalismo crescente, a erosão damemória política, a militarização das instituições e a desestabilização das identidades individuais frente a um Estado cada vez mais punitivo.

Há momentos em que o texto é explícito demais, mas isso parece parte da tese: não há sutileza possível quando o mundo real também já a perdeu. Ainda assim, o diretor encontra espaço para ambiguidades inteligentes, sobretudo na relação entre culpa, lealdade e sobrevivência.

Em termos técnicos, o filme surpreende pela precisão. O rejuvenescimento digital de DiCaprio no primeiro ato é discreto e elegante, algo raro em produções contemporâneas. A sequência da rodovia, perto do clímax, é uma das perseguições mais impressionantes do cinema, não apenas pela ação, mas pelo simbolismo. A estrada, com seus altos e baixos, curvas e rupturas, vira uma metáfora para a luta incessante pelo poder, seja político, emocional ou histórico. A fotografia em planos amplos amplifica essa sensação de grandiosidade instável.

É um filme que não para. Cada ataque, cada embate, cada virada é usada para mostrar as consequências morais e humanas de viver em guerra permanente — consigo mesmo, com o passado, com o Estado.

Uma Batalha Após a Outra é surpreendente, vibrante e dolorosamente atual. Equilibra ação, comédia sombria e suspense com uma fluidez rara. É um daqueles filmes que capturam o espírito de uma época — ou melhor, o espírito de uma época que insiste em não passar.

Um retrato do nosso tempo: triste, crítico, mas ainda assim teimosamente esperançoso. É cinema político em sua forma mais pura: imperfeito, provocador e impossível de ignorar.